segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Moóca ou Mooca?


Estação Mooca fotografada em 20 de dezembro 11


Peça para um paulistano com mais de 30 anos de idade para escrever o nome do bairro paulistano, de origem operária e com forte tradição italiana e possivelmente ele vai grafar Moóca com acento agudo no segundo como era comum até os idos dos anos 1990. 

Anúncio da Folha de São Paulo em 1993.
Fachada da Estação Moóca da CPTM em 2004  - Blog Estações Ferroviárias 
Ande pelas ruas da Mooca e vai encontrar as placas de sinalização mais recentes e vai encontrar o nome do bairro sem o acento. Acontece que o professor mooquense Pasquale Cipro Neto, determinou no programa de TV Nossa Língua Portuguesa ao final dos anos 1990:
“A separação silábica de 'Mooca' é 'Mo-o-ca'; a sílaba tônica é 'o'. Não há acento porque a palavra é paroxítona terminada em 'a', como 'foca', 'broca', 'maloca', 'judoca', 'tapioca' e tantas outras, que também não levam acento. Há quem queira afirmar que a palavra tem acento por causa do 'hiato' (vogais que vêm em seguida, mas ficam em sílabas separadas). De fato, há hiato na palavra 'Mooca', mas esse tipo de hiato não se acentua. “
Devagar e sem alarde, durante nos anos 2000; a década da inclusão mas também da parcimônia e do politicamente correto; as novas placas de sinalização foram sendo trocadas aos poucos pela prefeitura como que envergonhada por um erro que nunca havia sido percebido.
Rua da Mooca em 2011.
Estação Bresser, no Bairro do Brás, rebatizada de
Bresser-Mooca em 2006.
A mudança no acento (que não tem nada a ver com a reforma ortográfica) parece um detalhe bobo, supérfluo e irrelevante, mas reflete a transformação de um dos bairros mais tradicionais e símbolo do primeiro período industrial de São Paulo em uma região estritamente residencial onde o mercado imobiliário aproveita o apelo acolhedor que a Moóca possui para vender mais e mais apartamentos.

Origem da Moóca

O bairro da Moóca tem origem na fundação de São Paulo, o nome tem origem indígena e significa 'Fazer Casa' (Moo: faz, fazer + oca: casa). Sobre a rua da Moóca, a sua primeira representação em um mapa oficial da cidade é de 1842 onde aparece com o nome de 'Caminho da Muóca'. Já em 1897, a velha trilha indígena aparece como rua da Moóca.

Antigo esquema da estrada de ferro Santos-Jundiaí. Mapa do final do século XIX
Devido a sua proximidade com a ferrovia, responsável pelo escoamento da produção cafeeira para o litoral, a Moóca foi o berço da processo de industrialização de São Paulo, no final do século XIX. A proximidade com a Hospedaria dos Imigrantes (situada no Brás) fez do bairro morada das primeiras levas de imigrantes europeus, sobretudo italianos que povoaram a região.

E Agora Adoniran? 

Uma prova do bairro industrial e de casas operárias ao redor é a composição de Adoniran Barbosa, que seria a continuação da narrativa de 'Saudosa Maloca'. Em 'Abrigo de Vagabundo', o personagem que teria sofrido um despejo na região central encontra 'lá no Alto da Moóca' o abrigo que precisava. Vale conferir:



Os processos de industrialização, povoamento operário e imigração europeia fizeram da Moóca uma região única em São Paulo, com características bem definidas. O bairro possui bandeira e até mesmo hino, coisa que a capital paulista ainda não possui. O mooquense é um sujeito orgulhoso de suas tradições e origens, possui hábitos bairristas e dificilmente compra ou migra para outro bairro. Quem vê a Moóca de fora sonha em morar no bairro e fazer parte desta 'confraria'. É de olho nisso que o mercado imobiliário direciona seus projetos para o bairro.


Para se vender um empreendimento imobiliário, é preciso muitas vezes convencer o público alvo quanto a localização, infraestrutura e qualidade de vida. Quando se fala em Moóca qualquer empresa pode poupar este discurso porque tudo isto já está implícito. O vídeo acima é o caso mais emblemático de como o bairro é  importante para o mercado imobiliário e de como uma campanha ali precisa de certos cuidados, escrever Moóca com acento, pode ser pequeno erro, mas ninguém quer pagar para ver o resultado.

Anúncios de empreendimentos na Mooca desde 2003.
Aqui não tem acento.

Mooquense: Patrimônio imaterial da cidade.

Tramita no Conpresp  (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) projeto da câmara dos vereadores a proposta de tornar o sotaque da Moóca um patrimônio histórico da cidade. Se aprovado aquele jeito de falar cantado, muitas vezes errado suprimindo o 'S' será o primeiro Bem Imaterial Protegido em São Paulo. E se dá pra proteger o sotaque, cá entre nós, poderiam voltar a escrever Moóca com acento né memo belô?



Não é de meu costume defender que se escreva o português de maneira errada. Até porque, mesmo com a explicação do professor Pasquale não há consenso sobre a forma correta de se escrever Moóca. Eu, que sou apegado as tradições, escolhi escrever com o Ó acentuado, da maneira que aprendi, que vi nas placas do bairro, na estação de trem, na rua dos Trilhos e no Senai. E espero que esse movimento, de elitização dos bairros através da queda de acentos pare por aqui, afinal o que seria da Freguesia do Ó?

sábado, 24 de dezembro de 2011

Era noite de Natal...

Ilustração de Elifas Andreato para o primeiro disco de Adoniran Barbosa

Julgando por muitas de suas músicas, sempre carregadas de histórias irreverentes, podemos crer que Adoniran Barbosa, pseudônimo de João Rubinato era um homem feliz.  Ao estudar sua biografia, percebe-se o quanto ele era um homem macambuzio, ressentido e magoado por ter sido esquecido e redescoberto depois de décadas (o primeiro disco autoral de Adoniran data de 1974 quando ele já tinha 64 anos de idade).
Para Adoniran, não havia graça alguma no despejo na favela, no atropelamento de Iracema ou na marmita com torresmo a milanesa. Ele considerava sua forma de descrever o cotidiano como 'chapliniana' e ficava assim, triste quando alguém achava graça de suas composições. E foi assim, desta maneira que lhe era muito peculiar e que lhe tornou famoso que Adoniran Barbosa criou sua única música sobre o Natal, aqui interpretada por Mônica Salmaso.



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Será que vai vender?

Os anúncios dos anos 1960 retratam o estilo de vida da época
Compreende-se como documento histórico todo o material produzido em uma determinado época, que possa auxiliar o historiador em sua análise. Na seção 'será que vai vender' seleciono anúncios antigos de empreendimentos que eram projetos e que hoje são realidade. São testemunhas da verticalização e do desenvolvimento de São Paulo através de sua história imobiliária.
Escrevi para o Marketing Imob um texto que conta cronologicamente este processo. A integra do texto no link a seguir: A Verticalização de São Paulo em 10 anúncios históricos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O Capitã8


Meu filho ganhou um vídeo game. Desses modernos, cheio de sensores, quase sem fios. É muito legal vê-lo se desenvolvendo tão rápido. A coordenação motora das crianças do século XXI parece realmente mais avançada que a de uma ou duas gerações passadas. Com apenas 5 anos ele diverte-se com jogos de corrida e começa a gostar de futebol. Meu grande barato é ver seus dedinhos serelepes no joystick passando e tocando e fazendo gols. Aos poucos ele vai se familiarizando com os números 25, 30, 99 dos jogadores de hoje em dia.

Eu tinha um pouco mais que a idade dele quando comecei a gostar de futebol. Em 1982 figurinhas do chiclete Ping-Pong eram a única fonte de informação sobre as seleções que iriam disputar a Copa do Mundo na Espanha. Algumas eram valiosíssimas como as do goleiro soviético Dasaeiv ou a do francês Michel Platini. Era muito legal passar nos campinhos e ouvir um moleque defender e gritar: Daasssaaiiieeevvvvv! No entanto, as mais disputadas e desejadas eram a do timaço do Brasil. Tínhamos um verdadeiro esquadrão e seria impossível perder aquela Copa. A cada jogo, uma nova vitória empolgante, um verdadeiro show.


Eu não entendia nada de futebol. Mas foi uma ótima maneira de conhecer o esporte. Enchia meu pai de perguntas: Quem era esse? Quem era aquele? Até que as respostas sobre um jogador me fizeram paralisar: Quem é o número 8? O Sócrates! E por que ele usa uma faixa no braço? Porque ele é o capitão da seleção!
C a p i t ã o  d a  S e l e ç ã o  B r a s i l e i r a! Aquilo soou como um trovão dentro de mim. Como o Sócrates era importante! Tornou-se naquele momento o meu primeiro ídolo no esporte. Passei a observá-lo com mais atenção. Sócrates era um jogador diferente, comandava o meio-campo de maneira sóbria e quando os jogadores de frente não marcavam os gols, ele aparecia e resolvia. Pelo menos era assim que eu enxergava nos meus olhos de garoto.
O Brasil perdeu aquela Copa, foi desclassificado pela Itália de Paolo Rossi. Dia triste aquele. ‘Mas o Sócrates fez o dele!’, pensava eu tentando entender como aquela seleção poderia não ser a campeã. Com a derrota o futebol ficou mais triste e eu comecei a entender um pouco mais sobre vitórias, derrotas e adversários.
Dias depois, talvez para me distrair, meu pai me trouxe deu 4 times de futebol de botão. Tal qual meu filho com o vídeo game hoje, foi uma paixão imediata. Os times em acrílico tinham os escudos de Brasil, Argentina, Itália e Alemanha. Não haviam números nos jogadores, com a ajuda do meu pai eu enumerei um por um, e com uma Pilot preta passamos um risco embaixo o 8. Pronto! Era a faixa de Capitão do Sócrates.
Com meu futebol de botão, disputei vários mundiais na mesinha de centro da sala. Rummenigge, Zico, Maradona, Passarela, Zoffi. Eu recortava das figurinhas ping-pong as fotos dos craques e colava no Estrelão (era assim que chamava o campo). Juntos, eu e Sócrates vingamos o Brasil várias vezes, hora contra a Itália, hora contra a Argentina éramos uma grande dupla.

Comício da campanha Diretas Já com Sócrates, Osmar Santos
e Fernando Henrique Cardoso
Fui crescendo e entendendo várias coisas. Entendi que o Sócrates era jogador do Corinthians, que o Zico era do Flamengo, o Falcão jogava na Itália. Mas naquela época a seleção estava acima dos clubes. E o Capitão do Brasil mostrava civismo, subia nos palanques das Diretas-Já, ao lado de Lula, Fernando Henrique, Osmar Santos, Chico Buarque e outros. O momento era importante e exigia união. Era muito importante ver o Capitão Canarinho engajado naquele movimento.


Na Copa seguinte Sócrates era jogador do Fiorentina, não era mais o Capitão da Seleção Brasileira. De calção branco, desfigurada a seleção estreou contra a Espanha sem o brilho de antes. Fomos em frente, mas desclassificados contra a França com Sócrates perdendo um pênalti. Fiquei puto de novo, jurei não gostar mais de futebol e injustamente roguei pragas ao meu antigo ídolo.

Cresci, conheci outros esportes, outros ídolos, acompanhei a volta de Sócrates ao Brasil, pelo Flamengo, depois pelo Santos. Troquei os botões de seleções por times nacionais, depois troquei por times europeus como Napoli, Milan ou Paris Saint Germain. Escalava três volantes e não tinha um jogador favorito. Joguei até esquecer os botões e perdê-los definitivamente.


Sócrates com Lula durante campanha para presidente em 1989
Minha mágoa com Sócrates durou muito pouco. Rapidamente passei a admirá-lo, não mais pelo futebolista, mas pelo homem que ele era. Inteligente, culto, diferente da grande maioria. Questionador, nunca ficou em cima do muro, sempre fiel as suas convicções. Poderia falar dele como jogador de futebol, chamá-lo de Doutor, de Rei do Calcanhar, meus amigos corintianos Marcelo Magalhães e Bruno Caccavelli fazem isso melhor que eu. A mim restou falar do homem que como jogador elevou a condição de Capitão da Seleção para Capitão do Brasil.

Internado no Einstein, Socrátes deverá assistir amanhã o jogo da Seleção Brasileira. Seria uma ótima oportunidade de homenagear o grande craque que teve um início tardio no futebol e mesmo assim alcançou chegou a Seleção. Nunca perdeu o jeito simples, de sujeito boa praça e bonachão. Deve ser uma ótima companhia para uma cerveja, para bater papo. Que ele se recupere logo. Que ele receba homenagens em vida. Força Doutor. Força Capitão!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Será que vai vender? Edifício Watteau

Jardins é a forma pela qual comumente nos referimos a região que começa na Avenida Paulista em direção a Marginal Pinheiros e é composta pelos bairros de Jardim América e Jardim Europa. São bairros que nasceram ricos e não passaram por processos de valorização. Morar lá sempre foi sinônimo de sofisticação.
Em 1979 a construtora Gomes de Almeida Fernandes SA e a imobiliária LOPES lançaram na Alameda Itu o Edifício Watteau: Viver em grande Estilo.


Anúncio da Folha de São Paulo 28-10-1979


Gostei deste anúncio primeiro porque ele contrasta com os que eram publicados na época, geralmente cheios de informações. Segundo porque além das empresas serem bem familiares (Gafisa e Lopes) ele convida o possivel interessado para visitar o stand. Uma inovação e tanto para a época.

Ed Watteau pronto, segundo o Google Street View
Pronto a mais de trinta anos, o prédio se destaca pela fachada ainda atual. Seus apartamentos são cotados na faixa de R$ 1 milhão segundo o site 123i.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Avenida Paulista - 120 anos - 6 casarões


Casarão da Baronesa de Arary, na avenida Paulista esquina com a Peixoto Gomide
no local foi construído o edifício de mesmo nome.

Quando surgiu, em 1891 a Avenida Paulista já tinha um fim: ser o endereço paulistano dos grandes produtores de café que vinham do interior para a Capital. 
De modo geral, a Avenida foi ocupada em toda sua extensão por grandes casarões que se tornaram símbolos de uma época, 120 anos depois, apenas 6 destes casarões ainda estão de pé, um deles virá a baixo nos próximos dias.

Ilustração "O Estado de São Paulo" de 20 de outubro de 2011.
Localizado ao lado da Casa das Rosas, a construção Dina Brandi Bianchi deve ser derrubada para dar lugar a mais uma torre comercial, desta vez da construtora Even, a informação é do jornal 'O Estado de São Paulo'.

Empreendimento da Even, que mesmo com frente para a Alameda Santos
ocupará espaço do casarão na Avenida Paulista.
Estou um pouco cansado de falar sobre novas torres comerciais na Paulista ou de tombamento de edifícios históricos. Não que eu acredite que todos os casarões restantes devam ser preservados, nem que não haja espaço para empreender na região, mas fica muito claro que há uma corrida das construtoras para demolir construções que possam vir a ser tombadas pelos órgãos de preservação do patrimônio ou por entidades civis que possam vir a fazer algum tipo de barulho na imprensa. É assim que a Even está fazendo no caso do casarão da Paulista, e foi assim que a Esser fez com o Capital Augusta ao demolir o casarão que ficava no local. 

Casarão na rua Antônia de Queiroz com a Augusta, onde a Esser
lançou o Capital Augusta.
Se falta tato das construtoras em lidar com os casarões, também faz pouco sentido construções desocupadas se deteriorando com o tempo e servindo muitas vezes de submoradia, mas fica muito claro que falta inteligência e sobre ganância, quer seja dos donos das construções, quer seja dos incorporadores.
O bom exemplo, mais uma vez fica a cargo da Brookfield que concebeu um empreendimento, novo, moderno e rentável respeitando a história do anterior, mas disse eu também já falei aqui.




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