domingo, 4 de dezembro de 2011

O Capitã8


Meu filho ganhou um vídeo game. Desses modernos, cheio de sensores, quase sem fios. É muito legal vê-lo se desenvolvendo tão rápido. A coordenação motora das crianças do século XXI parece realmente mais avançada que a de uma ou duas gerações passadas. Com apenas 5 anos ele diverte-se com jogos de corrida e começa a gostar de futebol. Meu grande barato é ver seus dedinhos serelepes no joystick passando e tocando e fazendo gols. Aos poucos ele vai se familiarizando com os números 25, 30, 99 dos jogadores de hoje em dia.

Eu tinha um pouco mais que a idade dele quando comecei a gostar de futebol. Em 1982 figurinhas do chiclete Ping-Pong eram a única fonte de informação sobre as seleções que iriam disputar a Copa do Mundo na Espanha. Algumas eram valiosíssimas como as do goleiro soviético Dasaeiv ou a do francês Michel Platini. Era muito legal passar nos campinhos e ouvir um moleque defender e gritar: Daasssaaiiieeevvvvv! No entanto, as mais disputadas e desejadas eram a do timaço do Brasil. Tínhamos um verdadeiro esquadrão e seria impossível perder aquela Copa. A cada jogo, uma nova vitória empolgante, um verdadeiro show.


Eu não entendia nada de futebol. Mas foi uma ótima maneira de conhecer o esporte. Enchia meu pai de perguntas: Quem era esse? Quem era aquele? Até que as respostas sobre um jogador me fizeram paralisar: Quem é o número 8? O Sócrates! E por que ele usa uma faixa no braço? Porque ele é o capitão da seleção!
C a p i t ã o  d a  S e l e ç ã o  B r a s i l e i r a! Aquilo soou como um trovão dentro de mim. Como o Sócrates era importante! Tornou-se naquele momento o meu primeiro ídolo no esporte. Passei a observá-lo com mais atenção. Sócrates era um jogador diferente, comandava o meio-campo de maneira sóbria e quando os jogadores de frente não marcavam os gols, ele aparecia e resolvia. Pelo menos era assim que eu enxergava nos meus olhos de garoto.
O Brasil perdeu aquela Copa, foi desclassificado pela Itália de Paolo Rossi. Dia triste aquele. ‘Mas o Sócrates fez o dele!’, pensava eu tentando entender como aquela seleção poderia não ser a campeã. Com a derrota o futebol ficou mais triste e eu comecei a entender um pouco mais sobre vitórias, derrotas e adversários.
Dias depois, talvez para me distrair, meu pai me trouxe deu 4 times de futebol de botão. Tal qual meu filho com o vídeo game hoje, foi uma paixão imediata. Os times em acrílico tinham os escudos de Brasil, Argentina, Itália e Alemanha. Não haviam números nos jogadores, com a ajuda do meu pai eu enumerei um por um, e com uma Pilot preta passamos um risco embaixo o 8. Pronto! Era a faixa de Capitão do Sócrates.
Com meu futebol de botão, disputei vários mundiais na mesinha de centro da sala. Rummenigge, Zico, Maradona, Passarela, Zoffi. Eu recortava das figurinhas ping-pong as fotos dos craques e colava no Estrelão (era assim que chamava o campo). Juntos, eu e Sócrates vingamos o Brasil várias vezes, hora contra a Itália, hora contra a Argentina éramos uma grande dupla.

Comício da campanha Diretas Já com Sócrates, Osmar Santos
e Fernando Henrique Cardoso
Fui crescendo e entendendo várias coisas. Entendi que o Sócrates era jogador do Corinthians, que o Zico era do Flamengo, o Falcão jogava na Itália. Mas naquela época a seleção estava acima dos clubes. E o Capitão do Brasil mostrava civismo, subia nos palanques das Diretas-Já, ao lado de Lula, Fernando Henrique, Osmar Santos, Chico Buarque e outros. O momento era importante e exigia união. Era muito importante ver o Capitão Canarinho engajado naquele movimento.


Na Copa seguinte Sócrates era jogador do Fiorentina, não era mais o Capitão da Seleção Brasileira. De calção branco, desfigurada a seleção estreou contra a Espanha sem o brilho de antes. Fomos em frente, mas desclassificados contra a França com Sócrates perdendo um pênalti. Fiquei puto de novo, jurei não gostar mais de futebol e injustamente roguei pragas ao meu antigo ídolo.

Cresci, conheci outros esportes, outros ídolos, acompanhei a volta de Sócrates ao Brasil, pelo Flamengo, depois pelo Santos. Troquei os botões de seleções por times nacionais, depois troquei por times europeus como Napoli, Milan ou Paris Saint Germain. Escalava três volantes e não tinha um jogador favorito. Joguei até esquecer os botões e perdê-los definitivamente.


Sócrates com Lula durante campanha para presidente em 1989
Minha mágoa com Sócrates durou muito pouco. Rapidamente passei a admirá-lo, não mais pelo futebolista, mas pelo homem que ele era. Inteligente, culto, diferente da grande maioria. Questionador, nunca ficou em cima do muro, sempre fiel as suas convicções. Poderia falar dele como jogador de futebol, chamá-lo de Doutor, de Rei do Calcanhar, meus amigos corintianos Marcelo Magalhães e Bruno Caccavelli fazem isso melhor que eu. A mim restou falar do homem que como jogador elevou a condição de Capitão da Seleção para Capitão do Brasil.

Internado no Einstein, Socrátes deverá assistir amanhã o jogo da Seleção Brasileira. Seria uma ótima oportunidade de homenagear o grande craque que teve um início tardio no futebol e mesmo assim alcançou chegou a Seleção. Nunca perdeu o jeito simples, de sujeito boa praça e bonachão. Deve ser uma ótima companhia para uma cerveja, para bater papo. Que ele se recupere logo. Que ele receba homenagens em vida. Força Doutor. Força Capitão!

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