sábado, 30 de julho de 2011

O Menino da Rua Paulo

Felizes os garotos de hoje que tem Ipad, Mp3, download e outros recursos para poder ouvir a música que quiser. Na minha adolescência não havia essa moleza, era preciso peregrinar, garimpar e vasculhar os sebos para conseguir uma fita k-7 com alguma gravação rara, de algum show de sua banda favorita era motivo de muito orgulho e servia de troféu ou medalha.
Capa do Vinil Psicoacústica de 1988 
Os discos em vinil eram o grande barato. Comprar um álbum duplo de sua banda favorita com seu salário de office-boy era uma sensação indescritível que o garotão que hoje 'baixa' músicas no Napster (não tem mais o Napster?) nunca vai entender. Chegar em casa, tirar a primeira capa de plástico, abrir o álbum, ler o encarte, tirar o a película de celofane que o protegia colocar no 3 em 1 da CCE ouvir primeiro os chiadinhos da agulhe e finalmente os primeiros acordes... Era um ritual.
Dentre as muitas opções que surgiam naqueles anos 1980 a que eu mais me identificava era a banda paulistana IRA! Suas músicas falavam de rebeldia, de transformação, de 15 anos, de mudança de comportamento, de serviço militar, da cidade que eu nasci. Era como se cada disco do IRA! fora feito para mim, que cada música compunha a trilha sonora da minha vida.


O Ira! cresceu, saiu de São Paulo, fez um enorme sucesso, sua música virou tema de novela. Minha turma de 15 anos não gostou, ficou com raiva.  Não queria dividir com o Brasil aquilo que era só nosso.
Até que um dia algo deu errado. O Ira! teria que se apresentar no especial de Natal do Cassino do Chacrinha, além de tocar em play back eram obrigados a tocar usando um gorro de Papai Noel. Não aceitaram, foram embora, não se apresentaram e . . . sumiram.
Não foram mais aceitos na Globo, não iriam mais ao Globo de Ouro nem em trilhas de novelas e viram seus amigos de Ultraje a Rigor, Titãs e Legião Urbana ganharem um espaço na mídia que fora deles.
Assim foi até que sumiram, viraram uma banda de São Paulo, tocavam em bares, no circuito do SESC e em um monte de quebrada. Vi shows deles no Parque do Carmo e em outros locais menos nobres sempre vazios, longe do respeito que os caras mereciam.


Mesmo fora do circuito comercial, o Ira nunca deixou de produzir. Principalmente na figura de seu virtuoso guitar player e compositor Edgar Scandurra,  eles estavam prontos, com um vasto acervo quando os anos 2000 pediram um revival dos anos 80.
Gravaram um maravilhoso disco acústico para a MTV. Voltaram as grandes casas de show, venderam muito e devem ter ganho muito também. Brigaram, voltaram, brigaram de novo e acabaram. Acabar é um melhor fim muito mais nobre a uma grande banda. Melhor que tentar novas formações. Os 4 componentes seguem suas vidas em projetos pessoais.
Esta semana, fui pagar ao banco na Domingos de Moraes pagar uma conta atrasada (perto da Rua Paulo na Vila Mariana, a rua foi título de um disco deles em 1991), na minha frente estava o Edgar pagando contas, atarefado, provavelmente preocupado. Pensei em pedir um autógrafo, em dizer o quanto suas músicas eram importantes em minha vida, que fui em shows do Ira nos lugares mais inóspitos mas não tive coragem, achei melhor deixar o momento como estava. Ver meu ídolo de adolescência pagando contas como eu. Assim como quando eu tinha 15 anos, assim como quando eu me alistei no serviço militar, assim como quando eu fui pai. Obrigado ao Edgar, Gaspa, André e Nasi. Obrigado Ira! por me fazer entender a ordem natural das coisas.

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